Por Vítor Briga
(Extraído do Livro “De
Clone a Clown – A arte de ter (e vender) Ideias Criativas”, Editora Vida
Económica.)
Escolhe que te aconteça
algo!
Pablo Pundik
Imaginemos
uma panela cheia de água e no seu interior uma rã a nadar. Começamos então a
aquecer a água gradualmente. Em pouco tempo a água fica morna, mas a rã
continua a nadar tranquilamente. Aos poucos vamos aumentando a temperatura da
água, mas a rã não tem consciência disso. O calor provoca-lhe fadiga e um pouco
de sono. Chega um momento em que a água fica muito quente, mas a rã já não tem
forças para saltar devido ao desgaste de todo o processo, de forma que prefere
aguentar dentro. Rapidamente a água começa a ferver e a rã acaba por ser cozida
sem ter feito nenhum esforço para sair da panela. Se tivéssemos atirado a rã
para a panela com a água a ferver ela teria saltado logo para fora, mas como se
foi fervendo a água gradualmente, esta deixou-se ficar até morrer.
A
história da rã é uma boa metáfora para ilustrar a nossa tendência para cair,
sem que nos apercebamos, numa vida pouco estimulante e ficarmos reféns do tédio
confortável. Dificilmente se terá ideias
diferentes, e mais criativas, continuando a fazer o que sempre se fez. Para que surjam novas perspectivas devemos
viver novas experiências. Sair do
espaço seguro e familiar e dar o salto para o desconhecido, enfrentando o
desconforto inerente. O clown tem
medo, mas faz! O clown sabe que só
explorando o mundo e experimentando coisas e pessoas novas é que expandirá a
sua criatividade.
Ao longo
da vida temos tendência a ‘tornarmo-nos nos nossos pais’, isto é, passamos da
rebeldia típica da juventude para o conforto da meia-idade. Como dizia um
colega meu, “se achas que não se fez nenhuma música boa depois dos anos
oitenta, é porque o teu cérebro está parado nos anos oitenta”, ou, neste
sentido é pior aquela ironia que sentencia que há pessoas que deveriam ter
escrito na sepultura: “Morreu aos trinta e foi sepultado aos setenta”.
Numa
época em que tudo na nossa vida muda a uma velocidade estonteante, em que
pilares da nossa estabilidade, como o trabalho e as relações pessoais, são cada
vez mais mutáveis, ter rotinas permite-nos alcançar alguma paz e assegurar um
porto de abrigo aonde ir carregar energias para enfrentar os desafios. O
problema é que as rotinas agradáveis, por serem confortáveis, rapidamente se
tornam mais atraentes do que a vontade de explorar o desconhecido. Ficamos num
conforto apático que adormece o nosso clown!
Edward Diener, um dos autores da área da psicologia positiva (o estudo da felicidade humana), concluiu que um excesso de felicidade pode ser negativo para a criatividade. Em estudos feitos com “pessoas felizes” e “pessoas extremamente felizes” verificou que as últimas vivem menos e tem menos sucesso do que as que são moderadamente felizes. Segundo Diener, numa escala de zero a dez, o nível de felicidade ideal é oito, pois será o nível que permitirá uma existência agradável, mas simultaneamente uma margem de insatisfação para que a pessoa se mantenha inquieta e seja criativa.
Assim, para ter ideias criativas é importante que evite a sedutora ‘rotina de veludo’ e continue a explorar-se e a explorar. Às vezes, basta mudar pequenos hábitos como por exemplo, ir ao cinema ver um filme que jamais veria, ouvir música diferente, ler uma revista ou um jornal distinto dos habituais, socializar com outras pessoas em novos contextos, mudar um dia de funções lá no trabalho, fazer apresentações em público (se isso for um desafio para si), passar férias em locais diferentes do habitual, mudar o caminho que faz do trabalho para casa, fazer um curso de escrita criativa, ou de culinária, ou de teatro, ou de algo que nunca imaginou aprender (ou que imaginou, mas ainda não teve coragem), mudar o lugar da sua secretária, experimentar aquela comida esquisita, etc.
Um dos hábitos que mais poderá abrir a mente é o
hábito regular de viajar. A viagem
provoca, desinstala e inspira, é uma lufada de ar fresco. Quando voltamos,
trazemos ideias e vontade. No entanto, viajar não é o mesmo que fazer
turismo. Nas palavras de G.K. Chesterton, «o viajante vê o que vê, o turista vê
o que veio ver». Viajar implica humildade, aceitação e entrega ao que
acontecer: aos locais, aos imprevistos, às pessoas. É um treino intensivo de
criatividade. Viajar implica sempre um desconforto, principalmente se o fazemos
sozinhos. No entanto fica marcada, para toda a vida, a aprendizagem retirada
desse mergulho no desconhecido. Viajar com tudo preparado e controlado é mais
uma tarefa; viajar, com algo preparado, mas disposto a abraçar o imprevisto é
um acto vivencial criativo.
Se não tiver oportunidade para fazer uma viagem grande
e, ainda assim, quiser provocar o olhar, muitas vezes pequenas viagens na nossa
cidade, ou até no nosso bairro, podem ser refrescantes. O princípio é passar
pelos mesmos sítios de sempre com o tal olhar de viajante, esse olhar curioso
que quer captar tudo e ainda não está viciado. Não é por acaso que os nossos
convidados acabam por descobrir coisas na nossa cidade que ignorávamos. Porque
eles ainda não têm as rotinas que os impedem de ver mais. No fundo, o mais
importante não é a dimensão da viagem, mas sim a dimensão do olhar que se
ganhou após a viagem.
Depois
existem aqueles ‘saltos para o abismo’ que mudam aspectos mais estruturantes na
nossa vida, como trocar de emprego, mudar de cidade, ou até mesmo despedir-se e
criar finalmente a sua própria empresa. Ou ainda, terminar aquela relação
tóxica que já só existe porque é uma rotina. Nestes casos, o desconforto será
bem maior, mas a abertura do seu olhar e o crescimento criativo tenderão também
a ser bastante mais compensadores. Bronnie Ware é uma enfermeira Australiana que passou vários anos a trabalhar em cuidados paliativos e a cuidar de pacientes durante as suas últimas doze semanas de vida. Com base nas conversas que tinha com os doentes, gravou os maiores arrependimentos das pessoas às portas da morte, o que deu origem ao blogue Inspiration and Chai e ao livro The Top Five Regrets of the Dying. Concluiu que aquilo que as pessoas mais se lamentam antes de morrer é de não terem tido a coragem de viver uma vida que fizesse sentido para si, mas sim a vida que os outros esperavam delas. Faz pensar!
O nosso salto deve ser desafiante para que nos possamos superar constantemente, mas não demasiado, para que o excesso de tensão não bloqueie e iniba a acção criativa. Talvez viver seja como estar a andar num arame, um equilíbrio instável que obriga sempre a estar desperto. No belíssimo filme O Homem no Arame, vencedor de um Óscar para melhor documentário em 2009, o protagonista Philippe Petit diz: «Para mim, é realmente muito simples. A vida devia ser vivida no seu limite. Temos de nos rebelar. Recusar sujeitarmo-nos a regras. Recusar o nosso próprio sucesso. Recusar repetirmo-nos. Ver cada dia, cada ano, cada ideia, como um verdadeiro desafio... e então vivermos a nossa vida no arame».
O ideal será que o consigamos fazer com um sorriso na
cara.
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