terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O desperdício instalado


Na implementação de mudanças empresariais é comum ouvir-se dizer: “o nosso processo é óptimo, as pessoas é que não o cumprem”, “o nosso sistema é fantástico, as pessoas é que não o usam” ou “a nossa metodologia é sólida, as pessoas é que não a seguem”.

É interessante analisar estas afirmações porque nelas está contido um conjunto de falácias comum. Quando alguém diz que o processo da sua empresa é muito bom, mas que as pessoas falham na implementação do mesmo, o que nos está a dizer? Está a dizer-nos que tem dois processos: um virtual, desejado, que não passa de um projecto, e outro real, implementado, que corresponde ao que as pessoas fazem acontecer no dia-a-dia.
Na realidade só existe um processo, sistema ou metodologia, que é o que resulta dos comportamentos dos colaboradores da empresa. O outro é uma ficção. A maioria das vezes não passa de desperdício instalado. Trata-se de investimento em tecnologia, consultoria, formação, gestão, recursos, que foi feito mas que não é usado.
As empresas estão cheias deste desperdício e – pior – orgulham-se dele. “Temos um CRM topo de gama. Só é pena que não contenha a informação que devia porque os comerciais não a colocam lá.”

Muitos gestores gostam de mostrar que são modernos e para isso seguem a tendência do momento aderindo à tecnologia ou metodologia da moda. Mas esquecem que comprar e instalar algo é diferente de o usar bem ou totalmente.

Isto é imediatamente visível quando o desperdício consiste em matéria-prima, em energia, em recursos humanos. Nessas situações nenhum gestor que aspire a manter a sua credibilidade diz aos colegas: “Comprámos muito mais matéria-prima do que precisamos. É bom ter uma folga caso o mercado nos surpreenda e seja preciso produzir mais do que planeámos.” Ou: “contratámos mais 15% de pessoas do que precisamos para atingir os objectivos este ano. É bom ver a fábrica cheia de gente.”
Então porque é que em algumas áreas o desperdício se torna tão invisível? Nem tudo pode ser imputado ao poder do marketing das empresas de consultoria, tecnologia e informação.

Uma forte razão é a crença de muitos gestores de que há duas dimensões nas empresas: uma técnica e outra comportamental. Na primeira, colocam tudo o que sabem medir; na segunda, o que não fazem ideia como se mede.

Assim, a tecnologia e o software, por serem corporizados em coisas mensuráveis, são considerados investimento, mesmo que não sejam utilizados. Esquece-se que sem as competências adequadas e sem a cultura empresarial propícia – somatório de atitudes dos colaboradores da empresa – nada disso é aproveitado.
No fim do dia, a única empresa que temos é a que resulta dos comportamentos das pessoas na execução das suas tarefas, sejam eles suportados em tecnologia ou não. Tudo é comportamental, o que equivale a dizer que esse rótulo não interessa.

Gerir comportamentos é gerir a implementação da estratégia. Os comportamentos podem sempre ser avaliados, geridos, recompensados ou punidos, desde que sejam implementadas as metodologias certas por pessoas qualificadas. Por não fazer ideia do que é e como se mede um comportamento, há muita gente a “gerir” indicadores em vez de gerir acções. No fim do ano admiram-se que os resultados não apareçam.

O mercado exige uma actualização das competências e atitudes de quem gere pessoas. A maioria das empresas tem um software mental obsoleto instalado na cabeça das suas chefias, a precisar de upgrade. Mas quem é que assina a ordem de compra desse?

* CEO da Consulting House, autor do livro A Arte de Tornar-se Inútil (www.consulting-house.eu).




 

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