Várias câmaras municipais do país estão a apostar numa nova estratégia: apoiar empresas e criar projectos de empreendedorismo. Numa altura de crise, em que os números do desemprego continuam a aumentar, estes projectos visam ajudar a criar emprego e proporcionar um retorno em termos de investimento.
Mais de 100 empresas criadas e uma captação de investimento superior a 15 milhões de euros são os números que o projecto de empreendedorismo da Câmara Municipal de Cascais exibe para mostrar qual o retorno que uma autarquia pode ter se decidir investir em projectos de empreendedorismo.
Chama-se DNA Cascais, nasceu em 2007 e é o projecto com maior dimensão do país, não só no âmbito de serviços e apoios prestados, mas também em investimento anual, cerca de 250 mil euros. No entanto, não é caso único. Várias outras autarquias estão a seguir os passos e a apostar cada vez mais numa área que, não dando um retorno imediato nem sendo um investimento tão visível como as Obras Públicas, acaba por proporcionar um retorno importante.
"As câmaras municipais recolhem uma parte importante dos impostos pagos pelos contribuintes, por isso, faz todo o sentido e é extremamente importante que esse dinheiro possa ser investido e semeado em desenvolvimento. Uma das formas de semear o desenvolvimento é apoiar as empresas e o empreendedorismo", explica o vereador João Orvalho, da Câmara Municipal de Coimbra, uma autarquia que também tem apostado no apoio ao empreendedorismo.
O responsável autárquico compara este investimento à área da Educação: "Demora o seu tempo, mas é um investimento a que não podemos fugir." E engloba esta aposta no âmbito de uma nova estratégia e imagem do poder local, "menos virada para as obras e para as rotundas" e mais voltada para "a questão da educação e do desenvolvimento."
E esta é uma estratégia que tem sido encarada com maior urgência pelo contexto de crise económica e financeira que o país atravessa e que se reflecte, sobretudo, em números elevados no desemprego. Sejam jovens licenciados que não conseguem emprego ou pessoas de faixas etárias em que é complicado regressar ao mercado de trabalho, as câmaras sentiram necessidade de fomentar iniciativas que levassem estas pessoas a criarem emprego. E a aposta no empreendedorismo tem sido uma das alternativas.
Foi este o caso, por exemplo, da Câmara Municipal da Amadora. Ao analisar as situações críticas vividas nos bairros problemáticos e de maior risco, os técnicos da autarquia perceberam que havia pessoas que tinham ideias com potencial de negócio e, desde que recebessem o apoio certo, podiam criar o seu próprio posto de trabalho e, até, o de outros.
O Amadora Empreende nasceu de uma equipa de trabalho criada dentro do departamento de Educação e Cultura da Câmara Municipal da Amadora, e ao qual se juntaram outros parceiros como o programa Audax, do ISCTE, e a Fundação Gulbenkian. A importância dos parceiros foi fundamental, diz Ana Moreno, chefe de divisão de Intervenção Social da Câmara Municipal da Amadora. Tem sido a equipa do Audax - um programa do ISCTE vocacionado para o apoio ao Empreendedorismo, nomeadamente através da formação - a responsável, por exemplo, por seleccionar as pessoas que em cada ano são escolhidas para fazer a formação em empreendedorismo, avaliando as competências e filtrando as ideias. Uma selecção que passa por etapas que incluem dinâmicas de grupo, mas também entrevistas pessoais.
A importância da formação
A formação em empreendedorismo - abarcando conteúdos sobre como fazer um plano de negócios, "marketing", contabilidade ou gestão financeira -, é a componente mais importante dos projectos de empreendedorismo das autarquias. Acontece nos casos de Cascais, da Amadora e de Coimbra. Mas não é só.
No caso do Amadora Empreende, em vigor desde 2008, ainda que o número de empresas apoiadas não seja muito elevado (quatro projectos em 2008, seis em 2009 e três em 2010), estes novos projectos sabem que podem contar com um acompanhamento próximo durante um ano.
O acompanhamento prevê a realização de várias reuniões para ajudar a desenvolver a ideia, criar os planos de negócio ou procurar financiamento. As empresas podem contar com espaços cedidos pela própria autarquia onde podem sediar os escritórios ou abrir lojas, pagando preços simbólicos. Nas incubadoras do Amadora Empreende, o espaço é gratuito durante um ano, pagando-se o preço simbólico de um euro por metro quadrado nos três anos seguintes.
Em matéria de locais criados para poderem receber as novas empresas, também Coimbra tem a vantagem de estar associada à incubadora de empresas do Instituto Pedro Nunes - um instituto que nasceu no âmbito da Universidade de Coimbra e que está vocacionado para o apoio à inovação e ao empreendedorismo sobretudo nas áreas mais tecnológicas.
No caso da DNA Cascais, a incubadora de empresas, que aposta nos baixos custos de instalação, está aberta a todas as pessoas, "desde que sejam titulares de ideias e projectos inovadores com potencial económico e que contribuam para o desenvolvimento local", lê-se no "site" da DNA Cascais.
O objectivo é o de que estas empresas permaneçam o mínimo de tempo possível nestes espaços, para ir dando lugar a outros projectos. No caso da iniciativa de Cascais, as empresas ficam em média dois a três anos, o tempo suficiente para "ganharem raízes e massa crítica", explica Miguel Luz, administrador da DNA Cascais. E explica: "As incubadoras não são lares onde as empresas podem ficar até morrerem. Não é isso que se pretende."
Diversidade de ideias e financiamentos
O tipo de empresas que acabam por ser criadas no âmbito dos projectos de empreendedorismo das câmaras municipais não assume um padrão. Até o tipo de financiamento acaba por ser diferente.
Dos três anos de experiência que já leva o Amadora Empreende, Ana Moreno sabe que neste tipo de casos, os negócios que nascem estão sobretudo ligados aos serviços de proximidade, caso, por exemplo, dos serviços na área da construção, eficiência energética, limpeza ou transportes especializados. E, para estes casos, o financiamento vem, sobretudo, do microcrédito, a solução que ainda resta numa altura em que o acesso ao crédito está cada vez mais dificultado. No caso de Coimbra, pela ligação ao Instituto Pedro Nunes, são as empresas de cariz tecnológico que predominam.
Já a DNA Cascais, para além de ser dada uma atenção especial ao empreendedorismo social (criação de empresas que colmatam deficiências sociais do concelho) há também uma forte aposta no cariz inovador das propostas, a única forma de poder atrair capital de risco ou o investimento de "business angels", que são uma importante alternativa às vias formais de financiamento.
"O nome que fomos capitalizando no mercado dá garantias de alguma mitigação do risco", afirma Miguel Luz, explicando o facto da DNA Cascais conseguir atrair este tipo de investimento, não só a nível nacional, mas também internacional. Contas feitas, a banca acaba por ser responsável apenas por 15% a 20% do financiamento disponibilizado no âmbito dos projectos da autarquia.
Aprender com a experiência
Apesar de serem programas com poucos anos de vida, a experiência já permite tirar algumas conclusões e até levar a correcções. No caso do Amadora Empreende, com pouco mais de três anos de vida, a formação vai deixar de ser padronizada e mais adequada às necessidades de cada pessoa. Chegou-se à conclusão que para algumas pessoas, com baixos níveis de escolaridade, era difícil perceber determinados conceitos.
Além disso, explica Ana Moreno, constatou-se que "muitas pessoas só queriam fazer a formação para obter um certificado e não avançavam com a ideia." As dificuldades em implementar o negócio ou o surgimento de um emprego acabaram muitas vezes por deitar as ideias por terra. Desta forma, as candidaturas vão estar abertas em permanência e não apenas numa determinada fase do ano.
Outra conclusão é a de que o empreendedorismo não pode ser uma política que se concentra apenas naqueles que querem avançar com uma ideia de negócio. Deve ser incutido desde os bancos da escola. "O ciclo de inovação é como um 'pipeline' que tem de ser alimentado constantemente", explica Miguel Luz da DNA Cascais, acrescentando, que "desde cedo é necessário incutir o espírito empreendedor."
Em Cascais, a formação começou por abarcar os professores. Hoje em dia, as escolas secundárias do país já incluem nos seus currículos esta matéria. Os jovens vão para a rua vender os seus produtos e habituam-se desde cedo a gerir o seu próprio negócio.
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