quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Professor Joaquim Mourato - "Portugal cria muitas empresas mas não as segura nem as desenvolve"


O Instituto Politécnico de Portalegre (IPP) é uma Instituição de Ensino Superior que integra, neste momento, quatro Escolas Superiores - Educação (ESEP), Tecnologia e Gestão (ESTG), Agrária de Elvas (ESAE) e Saúde. O IPP inicia a sua actividade em 1985 com a ESEP, para, em 1990, começar a funcionar a ESTG, em 1995 a ESAE e, em 2001, integrar a Escola Superior de Enfermagem (actual Escola Superior de Saúde).

VE - Professor, sei que participou desde o inicio no projecto de criação do Instituto Politecnico de Portalegre em 1985. Pode-se dizer que foi um projecto empreendedor à data?
JM -Em primeiro lugar devo corrigir a afirmação, apenas entrei no IPP em 1996, pela ESAE, pertencendo ao grupo de docentes que deu início à actividade lectiva naquela Escola. Desde2000 que estou na Administração do Instituto, sendo actualmente o seu Presidente.
Da experiência de docente e dirigente, conhecendo bem a região em que o Instituto está inserido, posso afirmar que o IPP é um projecto empreendedor. Em todo o seu desenvolvimento temos procurado não fazer mais do mesmo. As apostas na inovação, em acções diferenciadoras, na qualidade, etc. têm construído um Instituto com uma identidade muito própria.
VE - Vai começar este ano uma segunda edição do Mestrado em “Empreendedorismo e Gestão de PME’s”. Qual o objectivo na base da criação deste mestrado?
JM - A fundamentação do curso baseia-se, sobretudo, em dois vectores fundamentais: Proporcionar uma oferta formativa, no contexto nacional, que concilie, de uma forma sinérgica e efectiva, três situações que detêm (a primeira) ou ganham (as restantes) uma crescente importância no âmbito da gestão de empresas:
• As mais recentes tendências e desenvolvimentos das ciências empresariais;
• A envolvente económica global e a consolidação de uma sociedade e de uma economia do conhecimento;
• E as necessidades e idiossincrasias presentes na criação de empresas e na gestão de PME’s, com especial incidência na criação e gestão de micro e pequenas empresas;
• Contribuir, decisivamente, para o desenvolvimento da região (de interior) em que estão inseridos o Instituto Politécnico e a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre.
Com este mestrado pretende-se formar pessoas com um elevado nível de qualificação, aptas para intervirem na criação de empresas e em processos de inovação, reestruturação e desenvolvimento de empresas existentes, quer ao nível do perfil de empresário, quer ao nível de quadros superiores.
Quero reforçar a importância que este curso pode ter no crescimento da economia regional, proporcionando alta qualificação dos seus recursos humanos.
VE - Qual o perfil dos alunos do mesmo?
JM -Procura-se que o aluno adquira competências para assumir desafios a qualquer nível da empresa. Que seja competente para desenhar um plano de negócios, que se assuma enquanto empresário, ou para se integrar numa empresa, liderando um projecto, executá-lo tecnicamente e acompanhar o seu desempenho. Tudo isto acompanhado de uma adequada compreensão do contexto em que nos inserimos, i.e. das suas linhas de força dominantes.
VE - Qual a importância de uma escola de ensino superior no desenvolvimento da atitude empreendedora numa cidade do interior?
JM - Uma instituição de ensino superior do interior do país tem que se assumir como motor do desenvolvimento regional. É a entidade que concentra os recursos humanos mais qualificados e, por isso, tem maiores responsabilidades para com a região. Como é que deve assumir as responsabilidades? Para além da sua missão na formação e qualificação das pessoas, deve tomar a iniciativa, liderar projectos, integrar-se em parcerias, investigar e transferir tecnologia. Deve ser uma Escola que compreende o meio em que está inserida, que impulsiona os seus agentes a inovarem mas que é parceira no risco.
VE - Estão previstas medidas que permitam seguir/apoiar de alguma forma os projectos empreendedores que tenham origem neste mestrado?
JM - Temos prevista a realização dos estágios em contexto empresarial e um conjunto de infra-estruturas, nomeadamente uma incubadora de base tecnológica, para acolher e apoiar o desenvolvimento de projectos.
Pretendemos fomentar a criação de equipas, constituídas por mestrandos dos vários cursos de mestrado que são ministrados no Instituto, para avançarem com projectos mais sólidos e com maior probabilidade de sucesso.
VE - Todos afirmam que os níveis de empreendedorismo em Portugal são baixos. Que outras medidas poderiam ser tomadas para que se verificasse uma mudança nesta situação?
JM - Atitude generalizada traduzida em apoios concretos. O problema não está na falta de ideias mas sim na sua concretização. Dificuldades diversas se colocam ao nível dos licenciamentos, das instalações, do financiamento, etc. O contexto reage, muitas vezes, de forma adversa ao empreendedor. Não se facilita nem se dá o benefício da dúvida. O sucesso do empreendedor depende muito da atitude de todos aqueles que o rodeia, da predisposição para acarinharem os projectos. Portugal cria muitas empresas mas depois não as segura nem as desenvolve. É aqui que reside o problema. Tenho a convicção que a qualificação dos recursos humanos, por um lado, e a desburocratização do Estado, por outro, são uma boa parte da solução.
VE - O empreendedorismo é uma capacidade inata ou uma capacidade situacional?
JM - Entendo que são ambas. A capacidade inata é necessária mas pode não ser suficiente. O empreendedorismo de sucesso requer características inatas, a aquisição de conhecimentos e a capacidade de se actualizar permanentemente.
VE - Quais as competências essenciais necessárias a um empreendedor de sucesso?
JM - Poderia descrever inúmeras e nunca as esgotaria. No mundo actual penso que é fundamental a um empreendedor, para além das competências técnicas, pensar global, ser criativo e muito persistente. Pensar global porque tem que olhar e compreender o mundo. Ser criativo porque o período de vida útil de uma boa ideia é cada vez mais curto, exigindo-se criatividade permanente. Persistente porque as dificuldades são garantidas e em elevado número, requerendo do empreendedor grande convicção no seu projecto e forte capacidade para ultrapassar as contrariedades.
VE - Normalmente associa-se empreendedorismo ao empresário. É possivel ser empreendedor trabalhando por conta de outrem?
JM - Claro que sim. No IPPortalegre tenho vivido essa experiência, sempre incentivando os trabalhadores a apresentarem projectos, a fazerem de forma diferente as suas tarefas. Posso confirmar que através do sistema de gestão da qualidade e do concurso interno de boas práticas muitas foram as iniciativas que se concretizaram e que vão mudando a Instituição. O empreendedor é aquele que não se conforma com o estado actual das coisas, que acredita sempre ser possível fazer mais e melhor. Ora este perfil também existe num trabalhador por conta de outrem.
VE - Numa altura em que o mundo vive uma crise económica sem precedentes, o empreendedorismo pode ser uma solução?
JM - Tenho a convicção de que o empreendedorismo é a solução. Esta é a base da economia real, aquela que garante a criação de riqueza e de emprego.
VE - Qual a relação de empreendedorismo e inovação. É possivel ser empreendedor sem ser inovador?
JM - Não consigo separar nitidamente um conceito do outro. Um empreendedor, ainda que procure desenvolver um projecto idêntico a outro já existente, na prática algumas variáveis são, necessariamente, diferentes, resultando sempre algo inovador.


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