segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A Orientação para a Excelência


1. Querer fazer bem

Somos o que repetitivamente fazemos, portanto,
a excelência não é um feito, mas um hábito.
Aristóteles
A orientação para a excelência caracteriza-se pela vontade de querer fazer bem o que se está a fazer. Às vezes pode até mesmo tornar-se um hábito emocionalmente desgastante e nada pragmático.
Lembra-me de quando fiz o meu exame oral para obter a cédula de advogado, na respectiva ordem. Nessa altura, já tinha iniciado a minha actividade como formador, e já tinha claro que a minha vida profissional iria ser dedicada às artes e ao desenvolvimento humano e não ao direito; no entanto, senti a mesma responsabilidade de estudar e impressionar aquele júri, como se a advocacia fosse a única coisa que verdadeiramente me interessava. Já que havia chegado até ali, tinha que ir até ao fim o melhor possível, mesmo que depois tudo fosse em vão. Hoje, penso que talvez tenha sido um desperdício de tempo e dinheiro tanto investimento em algo que acabou por não ter retorno. Mas não podia ter sido de outra forma.
Não se confunda orientação para a excelência com a busca de perfeccionismo. A primeira é uma força motivadora, enquanto que a segunda, ao não admitir o erro, pode tornar-se um obstáculo bloqueador da acção. Uma pessoa orientada para a excelência não é um ser perfeccionista, que faz sempre tudo bem.É alguém que quer fazer sempre bem, mesmo que muitas vezes, por falta de recursos, tempo ou competências técnicas, não o faça.
A diferença está na sua intencionalidade. O que acontece é que esta vontade tende a reflectir-se na realidade e nos seus actos, estabelecendo um padrão e uma forma programada de pensar, sentir e agir.

2. Fracassar com sucesso

Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez.
Fracassa de novo. Fracassa melhor.

Samuel Beckett


A partir do momento em que aceita uma tarefa, um indivíduo orientado para a excelência dá sempre o seu melhor, seja um trabalho pequeno, grande, simples, complexo, gratuito ou muito bem pago. A sua satisfação no final é a sensação de que colocou todos os seus recursos no projecto que acabou de realizar e a possível alegria de os resultados esta¬rem de acordo com os seus níveis de exigência.
Fazer bem, no entanto, não é o mesmo que não errar. Aliás, o erro pode ser muito útil e é, às vezes, uma eta¬pa fundamental para o sucesso final, principalmente em processos criativos. Lembremo-nos da famosa resposta de Edison quando lhe perguntaram se não se sentia derrotado por ter errado tantas vezes no processo de descoberta da lâmpada: “cada erro foi uma etapa necessária para chegar aos resultados finais”.

3. Janelas partidas

A sorte não existe. Aquilo a que chamais sorte
é o cuidado com os pormenores.
Winston Churchill


As notícias que deram conta dos erros de português nas instruções e nos jogos do computador Maga-lhães deixaram-me bastante apreensivo. De facto, é preocupante que um computador dirigido a crianças que ainda estão a receber a sua formação básica tenha este tipo de erros de português, ainda mais, tratando-se de um produto altamente publicitado internacionalmente e reproduzido com a ambição de chegar a milhares de crianças e influenciar a sua educação.
Mas o que me pareceu inquietante foram as declarações dos políticos responsáveis face ao sucedido, desvalorizando o facto. Esta atitude de condescendência face ao erro, da parte de quem lidera, cria uma percepção de que nada é grave, de que fazer bem e fazer mal não é, na realidade, muito diferente, de que está sempre tudo bem. É difícil passar a mensagem de uma cultura de rigor e excelência na formação das nossas empresas se quem governa, independentemente das cores partidárias, relativiza constantemente os erros por si cometidos.
Um líder deve ter coragem de pedir desculpa e admitir que errou. Esse acto fará com que fique mais forte aos olhos dos liderados. Por outro lado, querer relativizar constantemente o que corre mal, sem enfrentar com honestidade e humildade a realidade, enfraquece, porque deixa no ar a ideia de que se está mais preocupado consigo e com a sua imagem do que em fazer as coisas bem feitas. E as empresas e as pessoas só evoluem se todos quiserem fazer as coisas bem feitas.
A teoria das janelas partidas foi inventada pelos criminólogos James Wilson e George Kelling. Concluíram que a delinquência é o resultado inevitável da desordem. Se, por exemplo, a janela de um carro se partir e for deixada assim, e o carro estacionado num determinado bairro durante algum tempo, os transeuntes concluem que ninguém se preocupa nem está a tomar conta. Depressa haverá mais janelas partidas; o sentimento de que tudo é possível irá espalhar-se, e o mais provável é que o carro fique destruído em poucas semanas. Ou seja, ao permitir as pequenas coisas está a dar um sinal de que piores coisas serão toleradas.
Convém verificar que “janelas partidas” está a deixar no seu discurso ou nos seus actos.

4. Há sempre público!


Não há virtude, rigorosamente falando,
sem vitória sobre nós próprios,
e nada vale o que nada nos custa.
Xavier Maistre

Mesmo que estes, por vezes, demorem mais tem¬po a chegar a resultados ou façam investimentos emocionais excessivos nos projectos, creio que em momentos de crise e de dificuldades financeiras é mais importante ter a trabalhar connosco pessoas orientadas para a excelência do que pessoas com elevadas competências técnicas mas que não investem todo o seu potencial na acção. É muito mais fácil treinar aptidões técnicas do que atitudes.
Um famoso palhaço italiano, que faleceu o ano passado, chamado Carlo Colambaioni, conhecido mundialmente pela sua colaboração com Federico Fellini e por ter sido dos primeiros palhaços a trocar a lona do circo pela cena dos teatros, contava nos seus cursos uma história real sobre orientação para a excelência.
Um dia, estava com o seu pai na tenda a treinar os números para o espectáculo dessa noite; contudo, por qualquer motivo, Carlo estava pouco concentrado e o número não lhe saia bem. De repente, e sem aviso prévio, o pai dá-lhe uma forte sapatada. Visivelmente aborrecido, Carlo exclama: “Ó pai, não é preciso bater!”, obtendo como resposta do pai, numa voz dura e incisiva: “Olha o público!”; “Que público? Estamos aqui sozinhos! Ninguém vê que estamos a fazer mal.”, contrapõe Carlo, olhando para todos os lados e vendo uma tenda vazia. “Há sempre público!”, respondeu o Pai.
Pois há, nem que sejamos apenas nós próprios.

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