A história da gestão de projectos está intimamente associada a grandes marcos da evolução da humanidade. Se revisitarmos os últimos quarenta anos recordamos projectos emblemáticos como a ida do homem à lua e a primeira mensagem electrónica entre computadores nos anos sessenta, a construção do primeiro avião Boeing 747, o primeiro resort da Disney World ou a Casa da Ópera em Sidney nos anos setenta, o desenvolvimento do TGV e o primeiro telefone portátil nos anos oitenta, o lançamento do Toyota Prius nos anos noventa e mais recentemente, o Iphone da Apple em 2007, acompanhado por cerca de 30 milhões de pessoas em todo o mundo.
Ao futuro da gestão de projectos está reservado um papel determinante na inovação, mudança e competitividade, sendo considerada a nova cinderela da gestão e reconhecido o seu contributo para os resultados alcançados. Um estudo efectuado em 2007 pelo Deutsche Bank situava esta contribuição em cerca de 2% do valor acrescentado, apontando para uma contribuição na ordem dos 15% em 2020.
Um Factor de Inovação
Dentro do universo da gestão de projectos, quando temos realidades de elevada dimensão, complexidade e incerteza, com produtos e processos diferentes do que anteriormente foi produzido, estamos no âmbito de projectos inovadores, ou seja, produtos ou serviços únicos sem repetição, replicação ou recombinação de outros projectos desenvolvidos anteriormente pelas empresas.
Nas empresas project dependents, onde o desdobramento sistemático do seu plano estratégico resulta no seu portfolio, programas e projectos, é emergente a necessidade de assegurarem com robustez e de uma forma integrada o planeamento, execução e controlo de todas as acções aos diversos níveis da organização. Este requisito é levado ao extremo nas empresas project driven onde a actividade da empresa está alinhada com características de projecto na totalidade ou em parte da sua cadeia de valor. Nestas empresas, o factor central da apropriação de competências de gestão de projectos será determinado pela escala e complexidade dos próprios projectos a desenvolver. A título de exemplo, num projecto de criação de um novo automóvel de segmento intermédio, o valor de investimento é de cerca de 1000 milhões de euros, envolve 2,5 milhões de horas de engenharia e uma equipa de cerca de 500 engenheiros (mega projecto) versus outros projectos de menor dimensão e complexidade.
No domínio das políticas de investimento do Estado os projectos inovadores são frequentemente questionados pela opinião pública, nomeadamente sobre a sua viabilidade económica e contribuição para a modernização do País, dado que estão muitas vezes sob o escrutínio de grupos de interesse, políticos e económicos, alargados a exemplo recentemente a infra-estrutura do TGV, o novo aeroporto de Lisboa ou a própria venda da posição da Vivo e posterior aquisição da posição na Oi pela PT.
No tecido empresarial o passo de aprovação dos projectos é crítico e em muitas empresas não são seguidas práticas estruturadas de scoring entre as várias acções e/ou métodos tradicionais de avaliação de risco ao investimento e respectivos rácios de suporte à decisão, como por exemplo, a ausência de uma estimativa do período de retorno do investimento e do valor liberto para o negócio.
De salientar que em outras organizações a fase de aprovação dos projectos é contaminada pelo próprio DNA inovador da empresa e dos grandes empreendedores, tornando-se o ciclo de inovação dominante face à estruturação da decisão dos investimentos. Nestes casos torna-se imperativo o controlo do entusiasmo e uma dose de racionalidade para os projectos resultarem em casos de excelência, como é frequente no Grupo Virgin do carismático líder Sir Richard Branson.
Um Factor de Mudança Organizacional
A gestão de projectos como modelo aponta para um framework integrado que percorre várias sub-áreas com vertentes técnicas e soft da gestão, que tem um carácter interactivo em todo o ciclo de preparação, planeamento, execução, controlo e fecho do projecto. Tal como em outros domínios da gestão, o projecto é consubstanciado por actores principais e está enquadrado num universo de grupos de interesse, sendo de destacar o sponsor, muitas vezes o ideólogo que define os objectivos e se compromete com os resultados, e o gestor de projecto, que tem a responsabilidade de liderar o delivery. Este papel sofre do paradigma da “visibilidade à culpa”, no sentido de proporcionar aos quadros das empresas graus de motivação elevados no desempenho do papel mas simultaneamente, e em contextos de derrapagens no projecto, o gestor de projecto é um forte candidato ao encaixe de todas as responsabilidades.
No seio da organização um novo projecto estruturante provoca várias alterações. O sentimento positivo de diferença à rotina associa-se a uma fase inicial de grande motivação, seguida pelo aparecimento de várias dúvidas sobre o futuro e uma forte recaída anímica. Este fenómeno é conhecido pela curva da adrenalina ou queda no vale do desespero e no caso português é especialmente notório, desenvolvendo-se nos próprios colaboradores uma certa urticária se após a transmissão da necessidade de desenvolver um projecto não se estiver a executar nada 10 minutos depois!
Na maioria das empresas o status quo actual contribui para fracos resultados no desempenho da gestão dos projectos. Segundo dados de 2009 da empresa Standish Group, apenas 32% dos projectos são bem sucedidos e 44% sofrem derrapagens no tempo, orçamento, entre outros, e 24% dos projectos são cancelados. Recorrendo a outros estudos percebemos que existem gaps técnicos como a inconsistência de estimativa da duração das actividades, a própria definição do âmbito e como devemos lidar com a interpelação de risco: “já agora!”
Mas de facto encontramos um conjunto central de razões relativas ao fraco desempenho de cariz organizacional/ comportamental, nomeadamente a incompatibilidade da montagem das estruturas e equipas de projecto em desenhos organizacionais muito verticalizados, a falta de envolvimento dos actores e utilizadores dos processos nos projectos, a inconsistência de afectação das equipas internas aos projectos face à sua afectação às actividades de gestão corrente, a falta de competências específicas de gestão de projectos e de certificação dos profissionais em standards (exemplo PMI, IPMA, entre outros), a deficiente comunicação do projecto junto dos grupos de interesse e a falta de práticas e ferramentas pré-definidas para o funcionamento dos projectos.
A interpretação destes sinais em várias empresas que perceberam a importância de criarem um framework de gestão de projectos robusto para os resultados do seu negócio, levou-as a melhorar o desenho da sua organização criando maior fluidez horizontal, a adoptarem e identificarem áreas de responsabilidades específicas para definir guidelines, práticas e ferramentas para o funcionamento eficiente dos projectos na organização. Este papel é atribuído em algumas empresas a áreas da qualidade, controlo de gestão ou a estruturas dedicadas tipo PMO (Project Management Office), no caso de existir massa crítica de projectos e vantagens de especialização que justifique esta opção, apoiando as equipas de projecto no delivery e em simultâneo a gestão de topo na visão, planeamento e reporting de uma gestão de projectos uniforme e consistente.
Uma Atitude Empreendedora
Tendo a empresa criado condições para alinhar aos princípios de gestão de projectos: planear antes de agir, controlar para gerir o projecto e corrigir o que ainda for possível tendo por base o método e indicadores EVM (earned value management), o passo essencial para concretizar a adopção dos valores desta prática de gestão será definir qual a estratégia de abordagem mais adequada para que o framework de gestão de projectos entre na linguagem, código, capital e activos da empresa, tal como sucede a título de exemplo nas empresas IDEO, Boeing, PWC entre outras.
Para este salto de maturidade definitivo, é útil recorrermos à analogia com outras realidades de negócio e sistemas de funcionamento como por exemplo a aviação. Imaginem que queremos por os projectos a voar mas não adoptamos as normas e regras de um espaço aéreo em que os voos são na sua maioria controlados pelas torres de controlo de tráfego, os pilotos são monitorizados pelos controladores em terra, as “Instrument Flying Rules” permitem que os pilotos voem em condições baixas de visibilidade e em elevadas condições de segurança, o estudo prévio das condições meteorológicas e a detecção antecipada de potenciais turbulências permite que o voo decorra sem sobressaltos.
Enfim, o nível de compromisso e esforço das organizações na gestão de projectos deve naturalmente ser em função do número (e velocidade) dos projectos em voo na organização. Tal como outros sistemas profissionais de elevada fiabilidade, pilotar e controlar projectos pode tornar-se pouco visível e ser dado no limite como uma garantia. Mas é por existirem muito poucos acidentes aéreos dentro do sistema que os pilotos continuam a estimular o desenvolvimento de competências, a formação e se mantêm em pleno funcionamento e actualização as torres de controlo aéreo.
Da mesma forma, a cultura de gestão de projectos sustentada é indispensável para uma maior probabilidade de obtenção dos resultados esperados nas empresas ou seja, um verdadeiro factor de competitividade que requer uma atitude empreendedora.