domingo, 4 de setembro de 2011

Cultura e empreendedorismo

Na sua relação com os trabalhadores, as empresas têm um papel a desenvolver, fomentando o intra-empreendedorismo, através do estímulo à concretização de ideias e do seu patrocínio.
Habituamo-nos a aceitar ou criticar o estado das coisas, a acção ou inacção das pessoas, os estilos de liderança e as formas de organizar as empresas como sendo uma inevitabilidade da cultura nacional. Quantas vezes na nossa vida pessoal ou profissional damos connosco a pensar ou a dizer coisas como "para pior antes assim" ou "mais vale um pássaro na mão que dois a voar" ou, recorrendo à gíria futebolística, "em equipa que ganha não se mexe"?

De facto, ignoramos frequentemente que um conjunto de valores e experiências consubstanciadas no tempo acabaram por criar uma matriz de pensamento e acção que determinam em grande parte os nossos estilos e modos de pensar e agir.

Neste âmbito, alguns especialistas da área têm vindo a apresentar uma caracterização geográfica da cultura de países ou regiões que nos têm ajudado a compreender melhor as nossas opções em termos de empreendedorismo.

Portugal caracteriza-se(1) essencialmente pela elevada distância hierárquica, espírito colectivista, postura afiliativa e de pertença e elevadíssima tendência para o evitar da incerteza.
Em contexto de trabalho, o nosso esforço orienta-se para a harmonia das relações sociais, a valorização da cooperação em detrimento da competição e do conflito, a sensibilidade dos subordinados aos modelos afiliativos de chefia e a tendência para comunicar de forma pouco assertiva embora social e emocionalmente aberta.

Com o mercado de trabalho essencialmente ancorado no trabalho por conta de outrem e no funcionalismo público, a cultura nacional tem vindo a reforçar as condições de controlo da incerteza através da garantia de salário e contrato sem termo. Actualmente, porém, vive-se um período de inflexão nesta tendência. O aumento das taxas de desemprego e a maior precarização do trabalho impõem mudanças fazendo emergir a necessidade de um maior empreendedorismo. Algumas escolas, universidades e associações vêm assumindo este desafio alterando os seus programas e acções, porém impõe-se uma mudança generalizada de mentalidades. Este processo de fomento ao empreendedorismo potencia não só a criação de emprego, como a inovação e a produtividade, condições para o crescimento da economia.

Várias podem ser as motivações para o empreendedorismo, como sejam: a necessidade (quando por incapacidade de integração no quadro económico tradicional se desenvolvem iniciativas de subsistência ou mesmo de pirataria), a vocação (quando em situação de liberdade de acesso ao mercado se opta pela adopção de risco de negócio autocentrado), a inércia (quando por legado ou consistências das relações interpessoais se mantêm os negócios ou a iniciativa) ou conhecimento (em que a geração de negócio é feita a partir da capacidade de conversão do conhecimento em valor, associado a ambientes de inovação).

Também neste domínio, as empresas na sua relação com os trabalhadores têm um papel a desenvolver através do fomentar do intra-empreendedorismo, ou seja, através do estímulo à concretização das suas ideias, do seu patrocínio e da criação de condições de liberdade e espaço para a acção. Saliente-se que, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião assume particular relevância encontrando-se expressamente regulado no Código do Trabalho (Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro).

Neste contexto, o intra-empreendedor, em vez de criar novos negócios em espaço pessoal, opta por procurar novas iniciativas para a própria empresa em que trabalha, possibilitando desta forma o desenvolvimento da empresa, a clarificação da sua missão, o recentrar do foco da acção no cliente e no produto e a simplificação funcional através da reorganização dos fluxos de trabalho.

A empresa pode fomentar este clima interno de empreendedorismo através de uma cultura de escuta e participação permitindo ao trabalhador a integração na gestão, a participação no capital ou nos resultados da empresa e o premiar e reconhecer a qualidade da iniciativa individual.

A empresa pode, ainda, fomentar o intra-empreendedorismo mediante investimentos significativos na formação profissional dos trabalhadores, sem prejuízo para si própria. Na verdade, a Legislação vigente prevê a possibilidade do empregador poder convencionar com o trabalhador no sentido deste se obrigar a não denunciar o contrato de trabalho por um período não superior a três anos como compensação ao empregador pelas despesas avultadas feitas com a sua formação profissional. Este acordo é comummente designado de Pacto de Permanência e pode integrar o próprio contrato de trabalho ou ser celebrado durante a sua execução.

Note-se que a referência legal a "despesas avultadas" nesta matéria contrapõe-se à noção de despesas correntes em matéria de formação profissional, ou seja, trata-se de despesas feitas pelo empregador num tipo de formação que exceda a obrigação genérica de formação profissional.

Caso o trabalhador pretenda desobrigar-se do cumprimento de tal acordo terá de efectuar o pagamento do montante correspondente às despesas suportadas pelo empregador. Contudo, não haverá lugar ao reembolso das despesas se o trabalhador tiver resolvido o contrato com justa causa ou se tiver sido objecto de um despedimento ilícito e não tiver optado pela reintegração. Este requisito estabelece limites de razoabilidade que asseguram a conformidade da restrição ao princípio da liberdade de trabalho constitucionalmente previsto.

Não se acredite, porém, que o empreendedorismo é a solução milagrosa de aplicação generalizada que permite a resolução de todos os problemas da empresa ou da sociedade. O intra-empreendedorismo, quando mal gerido, pode exacerbar a competitividade interna para além do desejável, introduzir limiares de excelência inatingíveis ou fomentar o desenvolvimento de relações privilegiadas de favorecimento interno.

Tome nota
1. A matriz cultural determina, em grande parte, os nossos estilos e modos de pensar e agir;
2. O aumento das taxas de desemprego e a maior precarização do trabalho impõem mudanças no contexto de trabalho, fazendo emergir a necessidade de um maior empreendedorismo;
3. As motivações para o empreendedorismo são diversas mas a aversão ao risco e à incerteza são um factor determinante para a sua contenção;
4. As empresas, através do estímulo à concretização das ideias dos trabalhadores, do seu patrocínio e da criação de condições de liberdade e espaço para a acção podem fomentar internamente o empreendedorismo.



(1) Vide Modelo tetra-dimensal de Hofstede apresentado por exemplo em "Culture's Consequencies" ou "Cultures and Organizations:Software of the Mind"

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