Esse desejo, embora tenha contribuído para muitas histórias de sucesso, também representa uma das frustrações de quem é dono de um negócio próprio
Em homenagem ao mês da independência, dedico o artigo deste mês ao esclarecimento de um tema que costuma ser mal interpretado e compreendido pelos futuros empreendedores. Afinal, o que é independência?
A cada turma de alunos que desejam seguir a carreira empreendedora, logo no primeiro dia de aula, eu pergunto os motivos que os levam a escolher esse caminho. Independência é uma das palavras mais citadas, mais do que senso de realização, mais do que sonho atendido e bem mais do que dinheiro. Ao explorar melhor os motivos que eles usam para justificar esse desejo por independência, as respostas caminham, inexoravelmente, para a insatisfação com os atuais empregos, uma infelicidade diretamente proporcional ao grau de autocracia imposto pelos chefes. Suas ideias são pouco consideradas, desestimuladas, podadas e até mesmo ignoradas. A convicção de que se tivessem mais independência poderiam fazer mais pela empresa acaba alimentando, por um lado, a frustração pela falta de liberdade e por outro lado, o desejo pelo negócio próprio.
Bem, aqui vai o meu primeiro torpedo de desilusão. Embora esse desejo esteja por trás de muitas grandes histórias de empreendedores de sucesso, também representa uma de suas primeiras frustrações, ao se darem conta do que efetivamente significa ser dono de um negócio próprio. Minha tarefa aqui é explicar um pouco porque esse desejo de independência não passa de um mito.
Em primeiro lugar, nem todos sabem direito o que fazer com a liberdade. Acredite: muitas pessoas simplesmente se sentem totalmente perdidas e desorientadas quando lhes é dada a total liberdade. Sobretudo aqueles que aprenderam, ao longo de toda sua vida, que o mundo vai dar-lhe as regras e as referências necessárias para garantir que vão direcionar seus esforços na direção correta. Para muitas pessoas, não basta apresentar as metas, é preciso também dizer como atingi-las. Essas pessoas não se sentem bem guiando os outros, e sim seguindo os outros.
Em segundo lugar, eliminar aquilo que o deixa infeliz no trabalho não necessariamente vai levá-lo a ser mais feliz. Empregados infelizes no trabalho porque não se dão bem com o chefe podem não se tornar felizes se a convivência for interrompida. Essa fixação por se livrar do patrão pode dar uma falsa impressão de que, como empreendedor, o fato de não ter chefe garantirá sua satisfação. O descontentamento com o chefe não pode ser confundido com a necessidade de liberdade. Talvez uma simples mudança de emprego possa resolver o problema. Isso nos faz questionar essa situação de liberdade. Quando você diz que quer ter mais independência, de quem exatamente você quer ser independente?
Em terceiro lugar, o empreendedor não é nem de perto tão independente quanto ele gostaria de ser. Ele acaba descobrindo que, na verdade, depende mais ainda dos outros. Depende do cliente, pois ele precisa comprar seus produtos ou serviços; do fornecedor, que precisa ser confiável e de qualidade; dos funcionários, de cuja mão-de-obra precisa; dos sócios, com quem divide responsabilidades; do governo, de parceiros e até do concorrente.
Em quarto lugar, enquanto a independência pode ser interpretada no começo como liberdade, depois será traduzida como responsabilidade. E o peso da responsabilidade é grande demais para algumas pessoas. A liberdade pode dar a impressão de que o empreendedor faz o que lhe dá na cabeça. Afinal, a empresa é dele, certo? Bem, isso é só impressão. Na verdade, o empreendedor se dá conta do quanto outras entidades dependem dele e de sua empresa. Algumas pessoas que seguem o caminho do negócio próprio mais cedo ou mais tarde se dão conta de quantas famílias dependem do salário que ele paga aos funcionários, de quantas empresas só existem por causa do produto ou serviço que ele coloca no mercado ou das compras que ele faz. Encarar essa responsabilidade de frente é para poucos.
Em quinto lugar, independência é diferente de autonomia. Você pode não ter toda a liberdade desejada, mas pode ter autonomia, porque isso não tem nada a ver com liberdade e independência. Autonomia diz mais respeito ao poder de tomar decisões por conta própria. Você continua dependendo de funcionários, clientes, fornecedores e parceiros, mas a decisão final é sempre sua. Claro que você precisa considerar uma série de fatores ao tomar uma decisão, mas ninguém tira do empreendedor que, no final, é ele quem decide. Os empresários até apreciariam mais independência na condução dos seus negócios, mas o que os leva a empreender mesmo é a autonomia.
Eu lembro que, quando era pequeno, ficava deslumbrado com os tanques, uniformes e aparatos militares que sempre marcavam presença obrigatória nos desfiles de 7 de Setembro. É claro que eu não tinha a consciência de que, em pleno regime ditatorial, liberdade era o que menos tínhamos. Olha só a ironia. Comemorávamos o dia da independência sob pleno regime militar. E hoje? A liberdade que temos para escolher nossos governantes já provou ser um sistema melhor do que o anterior? Sem dúvida a democracia trouxe a tão desejada liberdade de escolha. Mas, quando pensamos na diferença entre independência e autonomia, vemos que a independência não necessariamente garante que as pessoas sejam maduras o suficiente para exercer a autonomia da escolha. Autonomia pode ser entendida como a sabedoria de usar bem a liberdade conquistada. Livre-se do seu chefe abrindo um negócio próprio, mas saiba que, para usar bem a liberdade conquistada, o empreendedor precisará amadurecer sua autonomia, e aí está um grande e necessário aprendizado.
* Marcos Hashimoto é professor de empreendedorismo do Insper, consultor e palestrante (www.marcoshashimoto.com)
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