domingo, 4 de setembro de 2011

Pensamento positivo

Haverá um momento em que o governo vai perceber que a estratégia da depressão não funciona. Insistir que estamos mal mas ainda vamos estar pior no futuro, não é certamente a melhor maneira de animar as pessoas e, sobretudo, de relançar a economia.

O resultado está, aliás, à vista. Os consumidores não consomem, os investidores não investem, a iniciativa estagnou e o famoso empreendedorismo, que nunca abundou por estas bandas, perdeu o pouco incentivo que lhe restava. Alguém arrisca montar um negócio neste ciclo de recessão?

O governo acha que procede bem, pois deve falar verdade. E deve. Só que para além da componente informativa também é tarefa de qualquer governo transmitir estímulo e positivismo. Um governo, qualquer governo em democracia, tem por missão mobilizar os cidadãos numa perspetiva positiva e empreendedora. Ou seja, cortar nas finanças públicas é bom; cortar na autoestima dos portugueses é mau.

Dirão que, seguindo aquelas fórmulas do maquiavelismo de trazer por casa, se trata de fazer todo o mal agora para mais próximo das eleições distribuir então o dinheiro, as benfeitorias e o entusiasmo. É duvidoso. Por este andar o retrocesso económico será maior do que o esperado, a receita dos impostos menor, o desemprego galopante e só mesmo o consumo de antidepressivos crescerá em Portugal nos próximos tempos. O negativismo é viral.

E, no entanto, o assunto está profusamente investigado, registado e explicado. Nos últimos anos temos assistido à multiplicação de estudos, edição de milhares livros e realização de incontáveis conferências sobre a importância do pensamento positivo na vida das pessoas, das empresas e da sociedade em geral. Deste interesse nasceu mesmo na década de 90 uma nova disciplina chamada Psicologia Positiva.

É evidente que existe muito charlatanismo à mistura. Há quem faça carreira a vender pensamento positivo em pastilhas ou através de truques de prestidigitação. E, claro está, as religiões nunca perdem comércios lucrativos destes. Já para não falar dos admiradores de culturas exóticas que imaginam que pensamento positivo é sentar de pernas cruzadas a meditar banalidades e não fazer nada.

Apesar disto o assunto é mesmo sério. Embora seja de considerar alguma componente genética no otimismo, base emocional do positivismo, são sobretudo os fatores ambientais que ampliam essa sensação, inata na espécie humana, de que "as coisas vão correr bem". Este impulso positivo, produtivo na resolução de problemas e na ação corrente, parece ser também essencial para a saúde e superação de doenças.

Pelo contrário, a visão negativa do "tudo vai correr mal", deprime e incapacita as pessoas de agir para além de, como está provado, fazer muito mal à saúde. A depressão, por exemplo, favorece as infeções.

O pensamento positivo é pois essencialmente de ordem subjetiva, determinado pelas condições ambientais. Nos indivíduos, certos contextos geram uma predisposição para enfrentar a realidade com uma atitude positiva, ganhando coragem e energia para a ação. Efeito que se revela contagiante produzindo por vezes verdadeiras ondas socais de entusiasmo e positividade. Portugal viveu esse clima durante a Expo98. No futebol também é comum.

O pensamento positivo tem também sido bastante estudado no campo da economia. Muitos autores demonstram como a criação nas organizações de ambientes propícios ao pensar positivo é fundamental para o desenvolvimento de estratégias globais, sinergias, processos de cooperação e inovação.

Mas é naturalmente na economia da sociedade que a questão se põe com mais acutilância. Uma sociedade deprimida e derrotada, onde impera o negativismo e o fatalismo, tem muita dificuldade em gerar as energias necessárias para enfrentar as dificuldades e as resolver de forma satisfatória. Como está à vista de todos Portugal atravessa um desses momentos.

É por isso que, apesar da boa vontade, de muita ingenuidade e, concedo, do desejo de fazer o melhor possível, tem faltado a este governo a compreensão dos mecanismos base das sociedades contemporâneas. Não é por acaso que os anúncios só têm sorrisos.


Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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