segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Gestão de Compras: A visão inovadora no futuro dos negócios de Compras Empresariais



A função compras numa empresa deve estar intrinsecamente associada à definição das condições e termos de abastecimento de produtos, serviços, bens e equipamentos necessários para o funcionamento directo da cadeia de valor do negócio ou para suporte à sua operacionalização.

Desde as primeiras experiências de comércio dos povos sumérios e fenícios, a acção de comprar ou vender sempre foi polarizada por um sentido de confronto e de alguma rivalidade, dado que cada parte têm objectivos diferentes. Se fizermos uma retrospectiva às últimas décadas, verificamos que subsiste no tecido empresarial, por um lado baixo estímulo relacional com os fornecedores, algo fácil de comprovar nos recentes acontecimentos durante a crise financeira mundial de 2008/09 que envolveu grandes fabricantes como GM, Ford e Chrysler e os seus principais fornecedores que desabafavam sobre um ambiente de “wrestling permanente”, e por outro uma baixa afirmação da função compras dentro das empresas, nomeadamente centrando-se a função em tarefas administrativas associadas às transacções, baixo alinhamento e distanciamento das áreas de negócio e clientes internos, posicionamento em níveis inferiores de responsabilidade da organização, baixa visibilidade para a gestão de topo e pouco appeal para cativar os principais quadros da empresa, levando este status a um controlo muito deficiente de toda a despesa e a uma visão redutora da função compras como centro de custo.

Após sucessivas vagas de evolução da função num domínio mais técnico, analítico e de sistemas de informação de suporte, ao futuro da gestão de compras está reservado um desafio de evolução estratégica e relacional / cultural, reformatando a função e equiparando-a a funções de maior valor acrescentado ao negócio e de maior visibilidade para a gestão de topo, como por exemplo as vendas.

Factores Macro de Influência na Gestão de Compras

Actualmente existem um conjunto de macro-pressões que influenciam os cenários de decisão de compras onde actuam as empresas, nomeadamente a transformação geopolítica e económica global dos mercados e fontes de abastecimento, a alteração do perfil da procura, a evolução do papel dos fornecedores, a reorganização e consolidação das cadeias de fornecimento vs relações de poder entre os principais actores: fornecedores de primeira e segunda linha, fabricantes e retalhistas.
Ao nível das fontes de abastecimento verificamos dois fenómenos de grande impacto: a forte polarização do sourcing de longa distância para diversas categorias de produtos sendo de salientar o crescimento das exportações de produtos de maior valor acrescentado, exemplo da China, e a turbulência enorme no valor das principais matérias-primas / commodities nos últimos 5 anos, que em muitos casos tiveram crescimentos entre 50% e 100% e em simultâneo a sua grande flutuação com enorme impacto na construção e estabilização do modelo de negócio das empresas. Em paralelo, e tendo por referência os EUA, a maior economia mundial actual, observamos que a velocidade de competição cada vez é mais intensa, a consolidação dos sectores continua com uma forte dinâmica e cada vez mais o quadro competitivo é de grande mudança: um grupo de empresas emergentes e de elevado potencial contrasta com um grupo de empresas gordas e que vão definhando, algo que podemos confirmar pelo nível de rotação que ultrapassa os 75% no top 100 de empresas americanas num período de 25 anos!

O perfil da procura está naturalmente cada vez mais marcado pelo comportamento das grandes economias, nomeadamente as de grande escala e que se encontram numa fase de progresso, de sublinhar a China, Índia e Brasil, e que se distanciam do crescimento marginal e/ou recessão que tem ensombrado a América do Norte, os principais países Europeus e outras economias mais maduras, exemplo do Japão.

No tecido empresarial assistimos à evolução do desenho dos modelos de negócio, cada vez mais orientados ao capital da marca com domínio dos canais e da procura, e ao capital das competências centradas no cliente por oposição a modelos clássicos baseados na apropriação da infra-estrutura e do capital físico / inventários ao longo da cadeia. Esta linha de projecção do negócio catalisou um sólido crescimento de empresas como a Zara, Nokia, Ikea, transformando-as em designers, marketeers, integradores, recorrendo ao outsourcing da produção e outras actividades com efeitos na melhoria das estruturas de custos, permitindo que compitam nos mercados em desenvolvimento e que ultrapassem outros concorrentes, com uma redução dos activos fixos, maximização da eficiência, flexibilidade / mobilidade dos activos, melhorando a capacidade de se adaptarem às alterações da procura e às fontes de matérias-primas.

Em simultâneo, de salientar a evolução do papel dos fornecedores, que em alguns setores assumem um protagonismo limite posicionam-se como principais financiadores de projectos, e que em determinados casos acabaram mesmo por “comer” uma parte do negócio e adquirir parcelas dos próprios activos das multinacionais “ocidentais", os casos mais mediáticos na área das tecnologias foram em 2005 o passo dado pela Lenovo chinesa, com a aquisição da divisão de PC da IBM norte-americana, e pela BenQ de Taiwan, que adquiriu a área de telemóveis da Siemens alemã.

A Visão Inovadora e a Mudança Organizacional nas Compras da Empresa

Tendo presente que em termos relativos na estrutura de custos de uma empresa a despesa representa a parte principal e com tendência de crescimento quer pela própria dinâmica de crescimento orgânico das vendas quer por maior recurso a outsourcing, a função de gestão de compras ganha cada vez mais importância na contribuição para os resultados. Para referência as empresas líderes e com melhores práticas obtêm poupanças anuais médias de 5 a 6% na despesa que se reflecte directamente na construção da margem operacional do negócio. Este papel mais proactivo e com uma forte orientação estratégica é crítico nomeadamente em sectores de forte competição, margens muito baixas e com cadeias de sourcing intensivo como exemplo o sector automóvel, bens de consumo durável, electrónica, etc.


Num estudo efectuado em 2009 pela ATKearney sobre as estratégias futuras da gestão de compras, os executivos apontaram como principais drivers da missão e objectivos da função: a melhoria ano a ano da performance dos fornecedores, assegurar a continuidade dos abastecimentos e a melhoria do rácio do peso da despesa no total de vendas. Mas se as compras não estiverem alinhadas estrategicamente não só se perde uma oportunidade de acrescentar valor ao negócio como se pode incorrer numa séria ameaça, por exemplo, se o plano estratégico de uma empresa passa por diversificar o negócio e se a estratégia de compras não estiver alinhada à inovação com os fornecedores porventura as poupanças que podem estar a ser conseguidas por uma orientação das compras centrada na alavancagem e redução da despesa serão sempre insuficientes para endereçar a estratégia de negócio pretendida a longo prazo.

De forma a dar consistência à visão e papel da gestão de compras o líder da função deve actuar desde logo como integrador dos processos de Research & Development, envolvendo as várias partes dentro da organização, nomeadamente marketing, produção, logística e qualidade, na fase de desenho do produto onde se centra a maior influência sobre a curva de geração do seu custo, promovendo a colaboração entre fornecedores, aperfeiçoando a standardização e a sistematização das especificações e reforçando o focus no custo total do ciclo de vida do produto, gerindo os riscos de fornecimento das cadeias, derivados das distâncias geográficas, volatilidade dos preços das commodities, moedas e câmbios, e mantendo uma permanente atenção sobre oportunidades de outsourcing e offshoring em torno do negócio.

Mas na realidade encontramos um conjunto central de razões relativas ao fraco desempenho de cariz organizacional / comportamental e de perfil / competências da liderança da gestão de topo e das equipas de compras, nomeadamente gaps de maturidade e afirmação das estruturas centrais de compras e falhas na atribuição clara do ownership das categorias de compra. A maioria das empresas apresenta ainda margens de progresso significativas com percentagens de despesa centralizada inferior a 40% quando nas empresas de maior maturidade esta percentagem anda na ordem dos 70%.

O desenho da organização das compras implica clarificar o papel de algumas áreas, nomeadamente as Compras, as áreas de Negócio, Clientes Internos, e o Planeamento de Materiais e Aprovisionamento, optando de acordo com pressupostos e critérios tais como dimensão económica, especificidade técnica, transversalidade entre negócios, matricialidade fornecedor / sub-categorias de compra, por uma centralização mais completa ou coordenação central mais light, ou por uma descentralização do ownership das compras nos negócios / clientes internos, que nessas categorias irão ter a responsabilidade do sourcing. A arrumação destas responsabilidades, identificando posteriormente por sub-categoria qual a equipa de participantes em cada passo do ciclo de sourcing levou várias empresas a criarem um framework de suporte à decisão e revisão sistemática de responsabilidades, dado que o ambiente é dinâmico e opções de descentralização em determinadas fases da empresa poderão deixar de fazer sentido com a evolução do negócio, ou vice-versa.

Este conceito organizacional implica uma reformatação de perfis e competências nas equipas de compras, desde logo porque os recursos passam a aplicar o tempo que consumiam em actividades operacionais em actividades de deep sourcing com mais valor acrescentado, nomeadamente especificação de requisitos de compra, pesquisa de fornecedores, definição de estratégias por sub-categoria, negociação, contratação e gestão da performance dos fornecedores.

Estas actividades têm puxado gradualmente para as estruturas de compras quadros e profissionais com mais competências técnicas e analíticas, por exemplo análise financeira e custos, conhecimento de operações / cadeias internacionais, gestão de projectos bem como reforçou a necessidade de perfis fortes ao nível dos soft skills menos tradicionais nesta função, por exemplo, capacidade de interacção e de desenvolvimento de um framework de comunicação assertiva com os grupos de interesse mais críticos, administração, clientes internos e os principais segmentos de parceiros / fornecedores, seleccionando os canais e formatos mais adequados.

Marketing Inverso: Solução de Rotura para um Modelo Empreendedor

Após estabilização interna das responsabilidades de compras e das principais interfaces da função, a visão da empresa ganha consistência com o desenvolvimento diferenciado das relações com os principais agentes do negócio a montante, definindo os principais segmentos de fornecedores e estendendo as práticas para montante que tradicionalmente aplica a jusante com os seus clientes, o redenominado marketing inverso e a gestão das relações com fornecedores.

Para este salto de maturidade definitivo, é útil recorrermos à experiência de empresas de referência ao nível das práticas de marketing inverso, neste campo é incontornável o percurso desenvolvido por empresas como a Toyota, Dell, Apple e Southwest Airlines onde se vive num ecossistema com os parceiros!

Com os segmentos de fornecedores estratégicos e preferenciais são dinamizados fóruns e mesas redondas para construir soluções de maior integração e colaboração na cadeia de valor, maximizando a eficiência das operações de abastecimento, planeamento e as complementaridades, com exigência na performance e com fortes estímulos à excelência, a título de exemplo são atribuídos prémios para os melhores fornecedores, para os melhores projectos de inovação, etc. e são niveladas as competências e conhecimento sobre as melhores práticas de organização, eficiência e programação das operações, por exemplo o incontornável percurso do modelo Keiretsu desenvolvido ao longo das últimas 4 décadas pela Toyota, assistindo o núcleo de parceiros estratégicos na adopção da sua filosofia lean, o TPS (Toyota Production System) e de uma atitude constante de eliminação dos desperdícios e gorduras em toda a cadeia de valor.

Da mesma forma esta atitude contagia os fornecedores para um registo proactivo, dinâmico, de maior visibilidade de resultados e provoca um choque cultural, abrindo um novo horizonte para substituir a função compras tradicional, baseada no histórico modelo de força e de confronto por um modelo empreendedor e de colaboração, onde a gestão se orienta por tornar a relação mais atrativa em ambos os sentidos, comprador - fornecedor e vice-versa.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito bom artigo, resumindo o ontem e o amanhã!

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